Se o aluno do século XXI precisa se preparar para atuar em profissões que sequer foram inventadas, qual a razão de nossas escolas ainda continuarem a formar para profissões que irão desaparecer?
Artigo de Luciana Allan (*)
Tenho participado como palestrante e visitante em inúmeros eventos sobre educação no Brasil e no exterior e não é novidade que a temática da inclusão das tecnologias digitais na escola tomou conta das discussões nos últimos anos. A sensação que tenho, depois de acompanhar diversos painéis e conhecer de perto centenas de soluções de edtech, é que o debate sobre usar ou não tecnologia está se tornando cada vez mais inócuo e sem sentido.
Estive no mês passado no BETT, em Londres, palco anual para o lançamento e apresentação de novos produtos e serviços desenhados para revolucionar a educação.
Pelos corredores da Feira vi de tudo: realidade virtual, realidade aumentada, programas de big data e análise de dados, lousas digitais, aplicativos, kits de robótica e incontáveis soluções para estruturar escolas equipadas com as últimas tecnologias.
A edição deste ano me chamou a atenção para o que venho insistindo há algum tempo: a tecnologia já oferece um enorme arsenal de gadgets e softwares para colocar em prática uma educação inovadora; o que falta é mudar o mindset das escolas para reconhecer que a grande transformação não está no emprego da tecnologia em si, mas em entender quem é o aluno que hoje frequenta a escola, como ele pensa, quais são seus interesses e como ele aprende. Além disso, por que ensiná-lo? Para quais oportunidades profissionais, pessoais e sociais?
E se este é o cenário, será que basta somente investir em tecnologia para construir uma escola do futuro? Definitivamente, não.
A grande mudança, a meu ver, está em repensar os modelos educacionais enraizados há séculos desenhados para ter foco no currículo e ser de um único tamanho para todo mundo, ou seja, todo mundo aprendendo a mesma coisa ao mesmo tempo. A escola precisa reconhecer que está se tornando cada vez mais obsoleta e dispensável para estudantes que já nasceram sabendo como usar um smartphone e não precisam mais vestir o uniforme e ir exclusivamente à escola para aprender.
Qualquer criança ou jovem pode acessar conteúdos disponibilizados pela escola em que está matriculado, mas também em bibliotecas virtuais de outras escolas e universidades de outros países. Com o Google Maps, podem estudar geografia e conhecer o mundo. Através de video-aulas disponíveis no YouTube, conseguem aprender ou rever matérias com uma linguagem muito mais acessível aos nativos digitais. Não é preciso sair de casa para visitar museus em outros países. Através das redes sociais e de plataformas de mensagem conseguem formar grupos de estudo com alunos da sua escola ou de qualquer escola do mundo.
O momento de aprendizado não está mais restrito à sala de aula e o professor passa a ter um novo papel, o de mediador do processo de aprendizagem dos seus alunos, estimulando à pesquisa, à reflexão e à prática.
Se o aluno do século XXI precisa se preparar para atuar em profissões que sequer foram inventadas, qual a razão de nossas escolas ainda continuarem a formar para profissões que irão desaparecer? Se podem ser muito mais autodidatas e explorar habilidades que têm maior interesse em desenvolver, qual o motivo de serem obrigados a seguir uma grade curricular inflexível e a continuar estudando da mesma forma que todos os outros, sem respeitar suas individualidades e sem desenvolver suas potencialidades? Não faria mais sentido, desde o ensino fundamental, permitir que construíssem suas próprias jornadas de aprendizado e incluíssem conteúdos que têm mais relação com seus projetos de vida?
O cerne da questão não está na tecnologia, mas no entendimento de que a escola, desde os primeiros anos, deve priorizar uma educação mais empreendedora e não uma formação que irá entupir os alunos de conteúdos e conhecimentos que não levarão para vida toda.
A criança, observem, é uma empreendedora nata. Só é preciso estimular a criatividade para despertar este potencial e perceber como elas conseguem, despidas de preconceitos e amarras, pensar fora da caixa.
Já experimentou dar um brinquedo novo a uma criança e ficar observando sua reação? Faça o teste. Ela vai fazer de tudo: virar o presente de todos os lados, abrir, desmontar e remontar até cansar, não é mesmo? Isso nada mais é que o impulso criativo se manifestando da maneira mais pura e espontânea. É a busca por descobrir o mundo.
Agora, pense comigo: o que acontece quando essa criança chega à escola? Infelizmente essa liberdade criativa não é valorizada. Pelo contrário: em vez de incentivar o aprendizado prático, as escolas despejam toneladas de teorias e fórmulas sem conexão com a vida pessoal ou profissional.
O modelo educacional da era industrial foi desenhado para formar pessoas que, no futuro, vão procurar emprego, e não empreender. As futuras gerações precisam desenvolver as competências necessárias ao profissional do século XXI. O que precisamos é de uma escola que forme profissionais com espírito empreendedor, que sejam empreendedores de suas vidas.
Essa visão é importante porque, nos próximos 10 ou 15 anos, quando nossas crianças e jovens chegarem ao mercado do trabalho, o mundo corporativo será totalmente diferente do que conhecemos hoje. A economia criativa vai demandar – e isso já está acontecendo – pessoas inovadoras, visionárias e, acima de tudo, empreendedoras, resilientes e com criatividade para solucionar problemas.
Transformar este sonho em realidade passa obrigatoriamente por uma remodelação profunda dos arcaicos modelos educacionais que ainda imperam na maioria das instituições de ensino. O estudo “Perfil do Jovem Empreendedor Brasileiro” traz um alerta: entre os jovens entrevistados, 86% dizem não ter passado na escola por nenhum tipo de preparação para empreender.
O dado mostra que a formação empreendedora ainda é uma realidade distante dos bancos escolares. Para mudar isso, o primeiro passo é analisar os bons exemplos nessa área e segui-los. O Sebrae, uma das principais referências em empreendedorismo no País e que já auxiliou diversas gerações de empreendedores brasileiros, é uma boa inspiração para os educadores. Um dos projetos de formação empreendedora desenvolvidos pela instituição é realizado em Belo Horizonte.
A Escola do Sebrae na capital mineira mantém o Projeto Vitrine, que ensina os adolescentes a conceber uma empresa, da ideia inicial à elaboração do modelo de negócios. Os estudantes aprendem a trabalhar com todos os aspectos envolvidos nesse processo, como questões operacionais, mercadológicas e financeiras. Durante o projeto, eles são acompanhados por um mentor. O objetivo é preparar os alunos para que saiam da escola com conhecimento de mercado e sabendo implementar todas as etapas na construção de um novo negócio.
Precisamos virar a página. Devemos transformar de verdade as estratégias de ensino, passando a valorizar conceitos como o de aprendizagem baseada em projetos e projetos colaborativos online, abrindo as janelas da escola para um mundo de conhecimento lá fora.
A tecnologia está aí e o que não falta são ferramentas para transformar de vez a educação. Só falta mesmo é deixar que o aluno coloque a mão na massa.
(*) Diretora do Instituto Crescer e Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) com especialização em tecnologias digitais aplicadas à educação