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Por que é tão importante promover o contato pele-a-pele entre mãe e bebê após o nascimento?

 

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No momento do nascimento, um procedimento simples, fácil e que não custa nada pode alterar completamente a saúde do bebê para o resto da vida, além de diminuir os riscos de hemorragias para a mãe.

O contato imediato entre mãe e filho, chamado de “pele-a-pele” está deixando de ser somente um procedimento adotado pelos partos humanizados e vem ganhando espaço – ainda que aos poucos – nas maternidades do país.

Pesquisa realizada pela Fundação Oswaldo Cruz mostra que no Brasil, entre os anos 2011-2012, um percentual de 28,2% dos recém-nascidos saudáveis tiveram o contato pele-a-pele com a mãe após o parto.

Golden Hour

Sabe-se que a primeira hora de vida do bebê é um dos momentos mais determinantes para a construção de uma vida saudável. É quando ele tem o primeiro contato externo com a mãe, recebe o seu afeto e calor, estabelece o vínculo e tem a oportunidade de ter sua primeira mamada.

“Esse contato precoce, que há alguns anos era visto apenas como uma ação de humanização e de valorização do afeto, hoje já é visto como uma forma biológica, fisiológica de nascer, que beneficia enormemente a saúde física e psíquica da mãe e do bebê”, explica Ricardo Chaves, professor de pediatria da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

Em sua participação no Congresso Nascer Melhor, realizado em maio deste ano, o famosos obstetra francês Michel Odent  afirmou que a “descoberta científica mais importante da segunda parte do século XX, na década de 70, foi a de que o bebê necessita de sua mãe”.

Ele explica que durante milhares de anos, mães e recém-nascidos foram separados, como efeito de crenças: o colostro fazia mal, a parteira seguia os ensinamentos que foram passados a ela por muito tempo.

O bebê nascia, cortavam o cordão umbilical, o separavam da mãe e davam a criança para uma cuidadora, uma enfermeira ou alguém que deveria cuidar dela para que se adequasse à rotina da época, como tomar banho. Depois colocavam o bebê no berço ou num berçário e as mães ficavam em outro local.

Vínculo

“Hoje, com o poder da ciência moderna, entendemos que o bebê precisa de sua mãe. Começou como um conceito, uma observação de mamíferos em geral. Esse é o conceito de vínculo mãe e bebê. Esse vínculo inspirou muitos estudos humanos sofisticados para avaliar os efeitos de uma interação completamente nova: o contato imediato, pele a pele, da mãe com o recém-nascido depois do parto. Cientistas avaliaram os efeitos comportamentais dos hormônios depois do parto (ocitocina, estrogênio, progesterona, prolactina…). Depois analisaram o colostro e a importância do contato com o seio materno logo após o parto. Eles disseram que o colostro é precioso – o oposto do condicionamento cultural das crenças dominantes”, explicou o médico francês.

Especialistas garantem que muito além da formação do vínculo afetivo entre mãe e filho, o contato pele-a-pele é tão completo, que nenhuma outra forma artificial de atenção ao recém-nascido pode substituir o corpo da mãe. Entenda os benefícios:

Equilíbrio da temperatura – Ao sair do útero, o bebê é exposto a uma perda de temperatura, principalmente se o ambiente estiver frio (abaixo de 26°C). “Ele vem de dentro de uma bolsa de água, numa temperatura de pelo menos 36°C, e a sua sensação térmica ao chegar num local frio é muito grande. Então, quando colocamos o bebê imediatamente no corpo da mãe, ocorre uma troca de calor e eles vão encontrar juntos um equilíbrio na temperatura”, explica o Dr. Ricardo, completando que a mulher, com o esforço do parto,  tem sua temperatura elevada, e essa troca será benéfica para ambos.

O especialista garante que o único procedimento médico para bebês saudáveis, neste momento, deve ser o de enxugar o bebê e cobri-lo com uma toalha aquecida, para que a criança não gaste energia para se aquecer. O profissional pode fazer as avaliações necessárias, como verificar a frequência cardíaca, o tônus e respiração do bebê sem ter que separá-lo da mãe.

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Clampeamento do cordão
– Ao sair do útero, o bebê precisa aprender a respirar com os pulmões, mas essa transição não ocorre imediatamente. Ela acontece de forma gradual, com uma readaptação dos sistemas circulatório e pulmonar para iniciar a respiração. Enquanto isso, nos primeiros minutos da vida, é importante que o bebê continue recebendo o oxigênio da placenta, através pelo cordão umbilical.

Por isso, especialistas garantem que o clampeamento (corte) do cordão imediatamente após o nascimento priva o bebê de receber uma quantidade de sangue que poderia levar maior oxigenação aos órgãos e tecidos da criança, de reforçar os depósitos de ferro (que o protegerão de anemia durante a infância), e da transmissão das células tronco presentes do cordão.

Ainda no colo da mãe, é recomendado aguardar que o cordão umbilical pare de pulsar, para então prosseguir com o clampeamento. “Tanto num parto vaginal como cesáreo, a recomendação é para que o médico coloque o bebê em contato com a pele da mãe e aguarde alguns minutos para fazer o procedimento, observando a frequência cardíaca do cordão. Mesmo em um parto cesáreo, dá pra esperar pelo menos um minuto antes de cortá-lo. Isso não atrapalha o procedimento cirúrgico em nada”, garante Ricardo Chaves. Em bebês prematuros, além desses benefícios, também se reduz o risco de hemorragia cerebral.

Primeira mamada – A onda de hormônios liberados pelo corpo da mãe durante o parto, e especialmente a alta produção de ocitocina (conhecido como “hormônio do amor”) nos momentos imediatos ao nascimento, favorecem o primeiro contato e estimulam a amamentação, uma vez que o bebê está ativo e pronto para a sucção.

Enquanto o bebê está em contato com a pele da mãe, ele tende a buscar sozinho pela mama, respondendo a um estímulo natural e espontâneo. Por isso, os especialistas garantem que a separação na primeira hora do nascimento prejudica o início da mamada, já que o bebê entrará numa fase de relaxamento e sonolência passado esse primeiro momento.

Segundo o Dr. Ricardo Chaves “não devemos separar o bebê do corpo da mãe nessa primeira hora após o nascimento, porque de uma forma espontânea ele vai buscar o peito da mãe. É só ter calma e deixar que amamamentação aconteça naturalmente. Ela é um desfecho do parto. Além disso, é muito raro uma mulher que passa por todo esse processo não conseguir amamentar ou ter uma mastite ou depressão”, afirma.

“A amamentação que se estabelece logo após os primeiros minutos de vida vai além das necessidades nutricionais, traz proteção e segurança ao momento mais difícil e importante do ser humano, o nascimento”, completa o pediatra Rodrigo Zukauska.

Formação da imunidade – Outro benefício do contato pele-a-pele é em relação à formação do sistema imunológico do bebê, que nasce estéril e se “contamina” pelas bactérias da mãe e do ambiente. É assim que se forma a microbiota ou o sistema imunológico do bebê. “No contato com o corpo da mãe, até mesmo as lambidas da criança vão ajudar na formação da imunização”, diz o Dr. Rodrigo.

Estudos garantem que a qualidade da formação desse sistema vai depender da forma de nascer: se for via parto vaginal, a criança se contamina com as bactérias da mãe, desenvolvendo as defesas necessárias para o resto da sua vida.

“Desta forma, a criança terá menos asma e menos problemas relacionados a diabetes tipo 2 ou obesidade, até mesmo na vida adulta”, garante o Dr. Ricardo.

Além disso, uma parte da formação da microbiota da criança vem através do próprio colostro, por isso a importância da amamentação na primeira hora de vida.

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Benefícios para a mãe

Especialistas afirmam que todos estes procedimentos vão além dos benefícios para o bebê. “Para a mãe, o contato pele-a-pele vai além do benefício afetivo, há vantagens biológicas e fisiológicas relacionadas ao parto, como uma diminuição no sangramento, maior produção de leite e de ocitocina, que é fundamental para a contração do útero, diminuindo os riscos de mortalidade materna”, explica o Dr. Ricardo Chaves.

Durante a cesárea

Evidências científicas não faltam para comprovar que o contato pele-a-pele é realmente eficaz e pode ser adotado também no parto cesáreo. A bióloga Camila Borges Martins de Oliveira, mãe da Manuela (2 anos), tentou parto normal por 24 horas, mas foi orientada a fazer cesárea devido às oscilações nos batimentos cardíacos da bebê, que poderia entrar em sofrimento. Porém, fez questão de ter a sua filha no colo após o nascimento.

“Fiz um plano de parto. Então, a equipe sabia exatamente minha vontade, e uma delas era essa: que a Manuela viesse diretamente para o meu braço logo depois do nascimento e que não fosse, em momento algum, retirada dali, se tudo estivesse bem com as duas, é claro”, diz.

Mãe e filha ficaram juntas por 30 minutos, enquanto a equipe fazia o procedimento das suturas e a médica neonatologista avaliava o estado da bebê. “Logo em seguida ela mamou, e foi lindo”, conta.

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A formação do vínculo começa na gestação

O estabelecimento do vínculo afetivo entre mãe e filho vai além do momento do nascimento. Ele começa bem antes, com o bebê ainda no útero. Especialistas garantem que essa relação de troca ocorre desde os primeiros meses da gestação, uma vez que o feto dispõe de seus órgãos dos sentidos em formação (táteis, auditivos, gustativos e até dolorosos), o que favorece uma constante troca.

Daí a importância de os pais interagirem com os bebês ainda na barriga, para que esse vínculo se mantenha também depois do nascimento.

Para o pediatra Rodrigo Zukauskas, “ao nascer, os bebês já enxergam e reconhecem o rosto humano, escutam e reconhecem a voz de seus pais. A criança traz nove meses de experiências que se estabeleceram entre ela e o mundo, intermediada por sua mãe. Ao ver seu bebê, a mãe transcende, se enxerga naquele novo ser, tudo se transforma em uma unidade mãe e bebê”.

Porém, o especialista garante que se o bebê é separado da mãe e passa por procedimentos, muitas vezes desnecessários e estressantes logo nos primeiros minutos de vida, este novo ser já vivência uma sensação de abandono, medo e violência.

Família rica x qualidade do parto

Infelizmente, no Brasil, a condição social interfere de forma inversa na qualidade do nascimento. Pesquisas comprovam que quanto maior o poder aquisitivo da família, maior o uso de práticas não recomendadas após o parto, como separar o bebê da mãe para realizar procedimentos inadequados, ou mesmo nas altas estatísticas do parto cesáreo.

Segundo o estudo “Nascer no Brasil”, realizado pela Fiocruz (2014), a separação precoce de mãe e filho foi observada em proporção elevada, sendo muito mais frequente em regiões e grupos populacionais de maior poder aquisitivo, evidenciando uma contradição entre o acesso às melhores práticas e as classes econômicas.

Além disso, o tipo de parto também contribui significativamente para a separação entre mãe e bebê. O estudo comprovou que a cesariana colabora muito mais para essa separação, em relação ao parto vaginal.

Você sabe o que é “imprinting”?

É o primeiro olhar entre mãe e filho, quando se estabelece o vínculo afetivo. Sabe-se que, ao nascer, o bebê enxerga a uma distância que vai do peito ao rosto da mãe, por isso esse contato visual é tão importante. Trata-se da primeira marca, o primeiro contato visual do bebê com a mãe, e que depois deve ser feito com o pai.

Nova rotina hospitalar

A boa notícia é que o procedimento de colocar a mãe em contato imediato com o bebê após o parto vem se tornando cada vez mais rotineiro nas maternidades do país, além de estar de acordo com as diretrizes de 2016 do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria, que diz que se após o nascimento o bebê a termo estiver respirando ou chorado, e apresentando boa vitalidade, ele deve continuar com sua mãe mesmo após o clampeamento do cordão umbilical.

“No Hospital Modelo, de Sorocaba (SP), por ser um Hospital Amigo da Criança, o contato pele-a-pele já se tornou rotina como pratica facilitadora para o sucesso da amamentação na maternidade”, afirma o Dr. Rodrigo.

Por Lucy De Miguel
Fotos: Canstockphoto

Nossas fontes:
Ricardo Chaves, professor de Pediatria da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)
Rodrigo Zukauskas, pediatra do Bem Gerar
Michel Odent, obstetra francês, internacionalmente reconhecido, participou do Congresso online “Nascer Melhor”, em maio de 2016.
Pesquisa “Nascer Melhor” (2014), da Fundação Oswaldo Cruz

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