Foto: Canstock.
Não é incomum ouvir relatos sobre crianças que levaram mordidas em creches ou escolinhas – algumas saindo machucadas. Essas situações costumam acontecer entre um e três anos de idade, quando os pequenos ainda estão na fase de desenvolvimento da linguagem.
“Eles ainda não sabem se comunicar verbalmente, então mordem, assim como tomam o brinquedo da mão do amigo, choram quando querem manifestar insatisfação, etc.”, diz a psicóloga clínica Adriana Serrano.
Conhecendo o mundo
Segundo a psicóloga, por conta da amamentação e de toda a importância afetiva que ela tem para o recém-nascido, a primeira parte do corpo que ele percebe em si é a boca, que acaba se tornando um canal da criança com o mundo.
É por meio da boca que ela descobre tudo o que está ao seu redor. “Primeiro, é preciso esclarecer que as crianças, quando mordem, não querem deliberadamente machucar o outro. Muitas vezes, elas nem sabem que morder machuca. Morder o amiguinho pode ser uma forma de ‘experimentá-lo’, conhecê-lo, descobri-lo”, destaca.
Quando uma criança morde o amiguinho pela primeira vez, por exemplo, pode se assustar com a reação do outro, que chora. Nesses casos, os educadores devem acolher ambas as crianças e conversar com elas. “Explicar que aquilo dói, que machucou, e que o amiguinho não sabia o que estava fazendo, por isso deve ser desculpado”, ensina Adriana.
Situação de disputa
A mordida pode, também, ser um recurso para conseguir algo que se quer mas não se tem, como situações em que um brinquedo é posto próximo a duas ou mais crianças.
“Mordidas, puxões de cabelo e arranhões podem acontecer na conquista deste brinquedo. Esses comportamentos, aparentemente violentos, não começam agressivamente. As crianças desejam o mesmo objeto, perdem o controle, sentem-se pressionadas”, afirma a psicóloga Silvia Gomara Daffre.
Número grande de crianças em um espaço, poucos brinquedos atraentes, bebês cansados e com sono são outros fatores que podem influenciar o ato de morder.
Atenção dos adultos
Apesar de ser uma manifestação natural das crianças pequenas, Silvia afirma que é fundamental que os adultos fiquem atentos às situações que provocaram o ato e cabe a eles evitar que se repitam.
Em situações de disputa por um brinquedo, por exemplo, a psicóloga orienta a explicar à criança que mordeu que esse não é o melhor meio de dividir o brinquedo; e a criança que foi mordida também deve ser orientada sobre como sair da disputa.
“As desculpas não estão descartadas. Em ambos os casos, é preciso ensinar formas alternativas de comunicação”, acrescenta.
Para a criança que mordeu, a psicóloga orienta a trabalhar a sensibilidade ao outro, mostrando a dor do amigo e deixando claro que o que ele fez, mesmo sem saber, não foi bom.
O ensinamento não deve ser feito com violência ou emoções exacerbadas do assunto, no entanto, é preciso ter postura firme.
“O adulto pode, por exemplo, franzir a testa, dizer de modo firme que não quer que aquilo se repita, exigir que a criança peça desculpas e não permitir que ela fique com o brinquedo que conseguiu por meio da mordida”, lista a psicóloga.
Para estimular outro meio de comunicação, uma dica é recolher o brinquedo e devolvê-lo apenas se ela pedir verbalmente.
“Exigir que a criança também morda o amigo não é adequado, afinal, se estamos pressupondo que é errado morder e que deve ser ensinada outra forma de comunicação, isso confunde todo mundo. Essa exigência, em geral, atende aos sentimentos de vingança de adultos imaturos e desconsidera os sentimentos da criança, que muitas vezes sequer entendeu o porquê da mordida e pode até vivenciá-la como um ato chocante e violento”, explica Adriana.
Cuidado com os exemplos
Já viu algo tão fofo que dá vontade de morder? Para os adultos, dar mordidinhas de leve pode ser uma brincadeira inocente. Morder a bochecha ou os pezinhos da criança, por exemplo, apesar de ser uma demonstração de carinho, pode levar os pequenos a morderem os amigos e, como eles não têm noção de sua própria força, o ato pode resultar em machucados.
De olho na criançada
Veja as orientações da psicóloga Silvia Gomara Daffre:
– A presença do adulto com a criança deve ser constante. As crianças pequenas se desorganizam muito rápido quando se percebem sozinhas.
– É necessário aceitar a existência de conflitos entre as crianças como uma característica natural da idade, mas também é preciso estimular formas verbais de resolução do conflito.
– Valorize a diversidade de linguagens – gestos, palavras, sons, desenhos, escrita – como instrumentos para a criança pensar o mundo e a si mesma.
– Reserve longos períodos diários para que as crianças brinquem.
– Converse com a criança sobre a dor que o outro sente e ensine-a a se expressar por meio da fala e de gestos.
– Ensine-a a pedir desculpas caso tenha machucado alguém.
Texto Marisa Sei
Nossas fontes:
Adriana Serrano é psicóloga clínica
Silvia Gomara Daffre é psicóloga especialista em Primeira Infância