É comum caracterizarmos pessoas como “bom caráter” ou “mau caráter”. Mas o que quer dizer essa palavra e, o mais importante – quando o caráter se forma? Segundo a educadora Semadar Marques, ele é a soma dos traços e aspectos relevantes na maneira de ser e proceder de uma pessoa. “Pode-se dizer que é o seu perfil moral, a forma como ele irá gerar credibilidade através de seus valores e congruência de suas ações”, destaca.
O caráter começa a ser formado desde bem cedo, assim que a criança começa a ter consciência de si e de suas ações. “Então, a atuação positiva ou negativa dos pais ou cuidadores irá inferir naquilo que o indivíduo assimilará como certo em sua atuação no futuro”, afirma a educadora. Assim, tudo o que os pequenos observam, seja em casa, na escola, pela televisão ou em livros, acaba interferindo nessa formação.
O termo “caráter” se refere a um conjunto de fatores que levam a uma vida mais plena, satisfatória, produtiva e feliz, segundo o psiquiatra Gustavo Estanislau. “Esse conceito difere bastante de conceitos que associaram uma ‘vida satisfatória’ a uma vida voltada para o sucesso financeiro”, salienta.
Em constante desenvolvimento
Não é possível definir o caráter de uma pessoa por uma ação ou característica isolada. “Através do trabalho de pesquisadores como Martin Seligman e Christopher Peterson, consideram-se fundamentais 24 fatores que vêm agrupados em 6 categorias: sabedoria, coragem, humanidade, transcendência (que inclui aspectos voltados à espiritualidade, ao humor e à gratidão), justiça e capacidade de moderação”, lista o psiquiatra. Esses fatores podem se desenvolver em diferentes estágios da vida, mas na infância esse desenvolvimento tem um peso considerável, lembrando do valor do modelo dos pais e responsáveis na aquisição da maioria deles.
Ao longo da vida, contudo, eles podem ser modificados. “O que predispõe uma pessoa a melhorar suas falhas de caráter é a sua vontade de aprender com as lições negativas que essa postura costuma trazer e criar novos hábitos e posturas que gerem credibilidade e construam relações de confiança”, explica Samadar.
A base do desenvolvimento da criança é sempre proveniente do lar. O que ela recebe e absorve dos pais e responsáveis é o que tem peso maior na formação do caráter.
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Estresse x Desenvolvimento
Assim como um bom exemplo em casa, afeto, aprendizado e outros estímulos positivos interferem na formação do caráter na infância, estímulos negativos também influenciam nesse desenvolvimento, como as situações traumáticas, que levam ao estresse. “O estresse excessivo é um grande inimigo do funcionamento cerebral, podendo levar uma criança a ter mais dificuldades em termos de autocontrole, por exemplo. Com dificuldades de autocontrole, o desenvolvimento de diversos aspectos que constituem o caráter (por exemplo, a capacidade de se manter persistente frente a um desafio) é colocado em risco”, revela Estanislau.
Segundo o psiquiatra, na infância as estruturas neurobiológicas e os modelos cognitivos estão em um momento mais primitivo do desenvolvimento, portanto, o estresse acaba sendo mais prejudicial. “Por exemplo, em uma situação de divórcio dos pais, uma criança pode fantasiar que nunca mais verá um dos pais, passando por um processo mais angustiante”, salienta. Dificuldades financeiras, brigas em casa, afastamento da escola, bullying, presenciar violência, entre outras várias situações são fatores potencialmente estressores.
“Qualquer experiência marcante pode influenciar ou não no caráter de um indivíduo. Mas um dos fatores mais decisivos será a forma como pais e cuidadores vão ensinar a encarar a adversidade: assimilando a situação de maneira positiva ou não”, diz a educadora.
Caso os pequenos não aprendam a assimilar as adversidades de forma positiva, na vida adulta a dificuldade para superar os traumas será maior – interferindo, assim, no caráter da pessoa negativamente.
Papel dos adultos
Desde o nascimento das crianças, pais e responsáveis já podem agir pensando no desenvolvimento delas até a vida adulta. Nos primeiros anos é possível, por exemplo, ensinar valores como a reciprocidade, a empatia e a generosidade, que constroem a capacidade de se colocar no lugar do outro. “É um grande indicativo de caráter e moral firmes. Educar através do exemplo, tentando ser melhor sempre e dar exemplos de cidadania, ética e moral elevada irá influenciar profundamente naquilo que a criança assimilará e acreditará como verdadeiro para o resto de sua vida”, acrescenta Semadar.
Os adultos precisam estar conscientes que a criança está atenta a tudo o que acontece ao seu redor e vai repetir a ação deles, mesmo que peçam ou ordenem para que ela não o faça. Por isso, em situações negativas (discussões, doenças, dificuldades financeiras, problemas familiares ou quaisquer outros), pais e responsáveis precisam refletir sobre como querem que a criança compreenda essas situações antes de reagir com emoções e atitudes.
Os pais devem educar dando bons exemplos, ensinando valores de reciprocidade, empatia e generosidade.
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Formação na escola
A escola tem o papel fundamental de estimular e introduzir valores – já que a criançada passa grande parte do dia no local. Muito do que faz parte da formação do caráter, aliás, pode ser ignorado pela família, seja por falta de conhecimento ou de interesse em repassar à criança. Assim, educadores podem colaborar e muito.
“Falar de programas de construção de valores, inteligência emocional e empatia, criar vínculos e laços, trazendo a família para participar da vida escolar do aluno, oferecer oportunidades como bolsas, vagas no esporte – tudo isso é estímulo poderoso para influenciar positivamente família e alunos na construção de um caráter sólido e de um cidadão que fará a diferença de maneira assertiva em sua comunidade”, completa a educadora.
Por Marisa Sei Nossas fontes: Gustavo Estanislau, psiquiatra, especialista em Psiquiatria na Infância e Adolescência Semadar Marques, educadora, especialista em Empatia, Inteligência Emocional e Propósito de Vida